Embora proibida, a abominável Farra do Boi continua sendo praticada no litoral de Santa Catarina. Nesta época, sempre lembro ( e já postei aqui) o livro de J.M.Coetzee, A Vida dos Animais (Companhia das Letras). Eis alguns trechos:
“As pessoas
reclamam que tratamos os animais como objetos, mas na verdade tratamos animais
como prisioneiros de guerra. Você sabia que quando foram abertos os primeiros
zoológicos, os tratadores tinham de proteger os animais dos ataques dos
espectadores? Os espectadores sentiam que os animais estavam ali para serem
insultados e humilhados, como prisioneiros em uma marcha triunfal. Já
promovemos uma guerra contra os animais, que chamamos de caça, embora, na
verdade, guerra e caça sejam a mesma coisa... Essa guerra foi travada ao longo
de milhões de anos. Só a vencemos definitivamente faz algumas centenas de anos,
quando inventamos as armas de fogo. Só quando a vitória foi absoluta é que
pudemos nos permitir cultivar a compaixão. Mas a nossa compaixão é muito
rarefeita. Por baixo dela existe uma atitude mais primitiva. O prisioneiro de
guerra não pertence à nossa tribo. Podemos fazer o que quisermos com ele.
Podemos sacrificá-lo aos nossos deuses. Podemos cortar o pescoço, arrancar seu coração,
atirá-lo ao fogo. Não existe lei quando se fala de prisioneiros de guerra.”
“Quem diz que a vida importa menos para os animais
do que para nós nunca segurou nas mãos um animal que luta pela vida. O ser
inteiro do animal se lança nessa luta, sem nenhuma reserva. Quando o senhor - (interlocutor
a quem Elizabeth Costello, a personagem do livro, se dirigia (grifo meu) - diz
que falta a essa luta uma dimensão de horror intelectual ou imaginativo, eu
concordo. Não faz parte do modo de ser do animal experimentar horrores
intelectuais: todo o seu ser está na carne viva.”
“Se não o convenci foi porque faltaram às minhas
palavras, nesta ocasião, o poder de despertar no senhor a inteireza, a natureza
não abstrata e não intelectual do ser animal. É por isso que o incito a ler os
poetas que devolvem à linguagem o ser vivo, palpitante; e se os poetas não o
comovem, sugiro que caminhe lado a lado com o animal que está sendo empurrado
pela rampa na direção do seu carrasco.
O senhor diz que a morte não importa para um animal
porque o animal não entende a morte. Isso me lembra um dos filósofos acadêmicos
que li para preparar minha palestra de ontem. Foi uma experiência deprimente.
Despertou em mim uma reação bastante swiftiana. Se isso é o melhor que a
filosofia humana pode oferecer, eu disse a mim mesma, eu preferia ir viver
entre cavalos.”
(...) Para mim, um filósofo que diz que a distinção
entre humanos e não-humanos depende de você ter a pele branca ou preta, e um
filósofo que diz que a distinção entre humanos e não-humanos depende de você
saber ou não a diferença entre sujeito e predicado, são muito semelhantes entre
si.
“Em geral sou cautelosa quando se trata de excluir
alguém. Eu soube de um importante filósofo que simplesmente afirma não estar
preparado para filosofar sobre animais com gente que come carne. Não sei se
chegaria a esse ponto – francamente não tenho essa coragem -, mas devo confessar
que não faria a menor questão de conhecer o cavalheiro cujo livro venho
citando. Especificamente, não faria nenhuma questão de me sentar à mesa com
ele”.
(...) Minha vida me
convenceu de que os limites que encontramos em nossas relações com outros
animais refletem não as nossas limitações, como sempre pensamos, mas a visão
estreita com que pensamos quem são eles e que tipos de relações podemos ter com
eles. “E assim concluo convidando todo mundo que tenha interesse nos direitos
dos animais a abrir o coração para os animais à sua volta e descobrir por si
mesmos como é fazer amizade com uma pessoa não humana.”
FARRA DO BOI
Proibida por lei, neste ano já foram registradas 93 ocorrências no litoral de Santa Catarina. No ano passado, foram 221 registros, em 2010, 302 bois foram perseguidos, torturados, mortos por essa barbárie praticada em nosso estado.
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