foto: elaine borges
A primeira fez que atravessei a ponte Hercílio Luz foi em 1971. Descobri ali, naquele momento, que aquela era a Ilha que eu queria morar. Fui arrebatada por tanta beleza, tanto mar, tanta luz, sons, um jeito bonito do povo falar, uma maneira estranha, às vezes, mas que gostava e gosto até hoje de ouvir. E até hoje eu ainda não entendo direito os diálogos entre os nativos, os que moram na Barra da Lagoa, no Ribeirão, no Pântano do Sul... Eles dizem "dex prax duax", assim, substituindo o S por X e acho lindo o som. É diferente o falar ilhéu e torço para que esse sotaque nunca seja esquecido. Ao desembarcar na rodoviária, amei caminhar ao longo da Avenida Hercílio Luz (a rodoviária era ali), dobrar à esquerda e chegar à Praça XV. Vi os casarões, a figueira, a catedral e o palácio, sede do governo estadual (quem governava na época era Colombo Machado Salles). Vi um povo simples circulando por lá, atravessei a praça e cheguei à rua Felipe Schmidt, percorri outras ruas centrais, andei pela Conselheiro Mafra... A cidade era também minha, foi essa a sensação primeira.
A segunda vez que atravessei a ponte Hercílio Luz já trazia na mala minhas roupas, meus discos, meus livros e muito mais. Trazia tudo aquilo que - sabia - seriam importantes para viver em uma nova capital, tão diferente daquela que eu deixara pra trás. Trazia fotos, textos, matérias publicadas no jornal O Globo, do Rio. Aquilo, aqueles textos, eram meu "currículo". Em maio de 1972 eu já estava trabalhando no jornal O Estado. E logo descobri: não mais voltaria à minha terra natal. Havia descoberto outra terrinha e a adotei imediatamente.
Nesse tantos anos que aqui moro, vi a cidade ir se transformando. Vi a construção da avenida Beira mar norte, das rodovias ligando o centro às regiões norte, sul, leste...Vi a substituição dos paralelepípedos que cobriam a rodovia que leva à Lagoa da Conceição por asfalto. Vi a construção dos tantos prédios que hoje se espalham pela cidade. Vi Florianópolis se transformando. Mas, o que é pior, também vi e vejo a deteriorização de uma cidade. Vejo agressões ao meio ambiente, a poluição das praias, a ocupação desordenada dos espaços urbanos, casas surgindo junto ao mar... Vejo os mangues sendo cobertos por edifícios, viadutos... Vejo ruas cobertas por asfalto dificultando o escoamento das águas das chuvas...
Ah, quanta tristeza quando vejo a cidade que escolhi pra viver sendo tão maltratada! Florianópolis ainda é uma cidade maravilhosa. Na terça-feira vai completar 284 anos. Temos ainda o que comemorar? Sim, ainda temos. A cidade é bela, mágica, encantadora. Mas querem destruí-la ainda mais. O novo Plano Diretor que vai ser encaminhado à Câmara de Vereadoras é um total desrespeito às comunidades que durante três anos apresentaram sugestões de como gostariam que a cidade fosse planejada.
Querem permitir a construção de prédios de 12 andares no Campeche, de até seis na Lagoa da Conceição. "Já temos problemas na infraestrutura e tem vários pontos impróprios para banho", reclama Aurélio Tertuliano de Oliveira, ex-presidente da Associação dos Moradores da Lagoa da Conceição e que conhece muito bem o lugar onde sempre viveu.
Há um pesado jogo de interesses que envolve empresários da construção civil, corretores de imóveis, do setor turístico, administradores do município, todos muito mais interessados nos lucros imediatos do que na preservação e proteção deste belo pedaço de terra. Em 2030 a previsão é de que Florianópolis terá 750 mil habitantes. Como será essa cidade no futuro? Não será, com certeza, como àquela que um dia escolhi pra morar. Nestes últimos anos Florianópolis sofreu drástica transformação e os problemas de infraestrutura, transporte urbano, trânsito, segurança, são imensos. Serão eles sanáveis?
Temo por nossa cidade. O novo Plano Diretor que seria uma solução, virou uma grande ameaça. As divergências entre as comunidades que fizeram suas propostas e o projeto apresentado pela Fundação Cepa, empresa contratada pela prefeitura, são imensas. Há um desafio pela frente: o momento, portanto, é de protestar. Não consigo admitir que a bela Florianópolis se transforme num amontoado de prédios, com praias poluídas por coliformes fecais, meio ambiente tão agredido e fique igual à tantas outras cidades deste país hoje inabitáveis.
A ponte Hercílio Luz que atravessei quando aqui cheguei, lá está. Vejo-a todos os dias da minha janela. Continuo apaixonada pela cidade que escolhi viver e temo por seu futuro. Mas não posso deixar de dizer: parabéns Florianópolis. Eu te amo.
Que lindo e emocionante texto sobre nossa terra. Obrigada, Elaine, pelas belas fotos e pela paixão que nutres por esta tão explorada e desrespeitada ilha.
ResponderExcluirOi Eliane
ResponderExcluirAdorei seu texto, muito bela a sua homenagem! Estou chocada com esse plano diretor, que horror!
Abraços,
Michelle.