sábado, 15 de agosto de 2009

NAÇÃO WOODSTOCK


Reprodução dos LPs triplos da trilha sonora original do Woodstock

Woodstock foi uma cidade. Sim, foram três dias extraordinários de chuva e música. Não, não foi uma revolução. Foi uma reflexão em tecnicolor manchada de lama. Woodstock também fui eu, Joan Baez, a quadrada, a grávida de seis meses, mulher de um resistente ao alistamento, pregando sem cansar contra a guerra. Eu tinha meu lugar lá. Estávamos nos anos 60 e eu já era uma sobrevivente. Cantei no meio da noite, de pé, na frente dos residentes da cidade dourada que dormiam na lama e nos braços dos outros. Dei-lhes o que pude naquele momento. Eles aceitaram minhas canções. Foi um momento de humildade, apesar de tudo. Eu nunca tinha cantado para uma cidade antes.

Trecho da carta que Joan Baez escreveu para a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas antes da exibição do documentário de Woodstock, em 2006.

A canção final do show de Joan foi de tirar o fôlego: sua versão a capela do clássico gospel “Swing Low, Sweet Chariot”. A doce voz de soprano suave como veludo e afiada como uma lâmina, atravessou os pingos de chuva do ar noturno e atingiu de maneira profunda e comovente os corações dos peregrinos cansados diante dela.


Havia a música. A idéia de rejeitar o resto do mundo e viver de maneira natural. Havia a cultura das drogas. A posição contra o governo, especificamente sua política para o Vietnã. E tudo se agrupou naquele momento. É interessante que chamem de Nação Woodstock porque era isso que todos queriam – estar separados, ter sua própria comunidade. E por três dias todos a tiveram. Quando olho para a segunda metade dos anos 1960, percebo que foi o único período em que ouvi falar a sério sobre o amor como uma força para combater a ambição, o ódio e a violência.

Martin Scorsese.


Não penso que Woodstock foi um “milagre” – algo que pode acontecer apenas uma vez. Nem penso que os que dele participaram estabeleceram uma tradição instantânea – uma maneira de fazer as coisas que instituiu um padrão para eventos futuros. Foi uma confirmação de que esta geração tem, e compreende que tem, sua própria identidade.
Ninguém sabe qual será o desdobramento: ainda é muito recente. Em resposta à sua mansidão, penso nas palavras “olhai os lírios do campo...” e espero que nós – e eles mesmos - possamos continuar a confiar na comunidade de sentimentos que fez tantos dizerem sobre aqueles três dia, “Foi lindo”.


Depoimento da antropóloga Margaret Mead à revista Red, em 1970.

Da lama, da fome e da sede, apesar da chuva e dos engarrafamentos do fim do mundo, para além das bad trips das drogas e da confusão extravagante, uma nova nação emergiu sob as luzes que lhe dava a mídia perplexa.

Da revista Rolling Stone, a bem mais sucedida publicação respeitável do rock.

...Mas o problema era que eu estava no palco e não sabia mais o que cantar, então olhei para cima e disse, “liberdade não é o que eles fazem a gente pensar que é, nós já temos. Tudo que devemos fazer é exercê-la, e é isso que estamos fazendo bem aqui”. Então comecei a tocar umas notas procurando alguma coisa e a palavra saiu, “freedom” (liberdade).


De Richie Havens, o primeiro a cantar.

Nenhum tema revelou mais o crescente abismo no país do que o Vietnã. Ao mesmo tempo em que esta geração estava abraçando sexo, drogas e rock’n roll, apreendia a suportar o choque e o trauma dos assassinatos, os distúrbios raciais e a brutalidade policial. Eram essas as nuvens que pairavam sobre Woodstock, e nada tinha a ver com o tempo.
Os hippies dividiam tudo que tinham – comida, salada de cenoura com passas, barracas, um baseado. Quatrocentos e cinqüenta mil, ou seja lá quantos estavam lá, era um organismo vivo de gente. Muitos viram a lama, as coisas feias. Eu só posso dar minha visão do que vi, e o que vi foi uma convergência verdadeiramente harmoniosa. Era o começo da revolução da conscientização em grande escala.

Santana, a grande revelação do Woodstock com sua música Soul Sacrifice.

Há ainda o desempenho antológico de Joe Cocker da música “With a Little Help from My Friends” de Lennon e McCartney e a versão de Jimmi Hendrix para “The Star-Spangled Banner”. Momentos que ficaram na história da música e também um dos eventos até hoje comentados, analisados, estudados, relembrados. Tudo aconteceu em três dias, em agosto de 1969. Há quarenta anos.Três dias memoráveis que fazem parte da história da música e, por que não, da história do século XX.

(Todos os depoimentos são do livro Woodstock – de Pete Fornatale – Editora Agir).

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